quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Ser humano, uma tarefa constante

Nesse último período na Faculdade de Medicina acompanhei um médico, Dr. Cláudio Palombo, renomado clínico que trabalha há anos com Aids e pude experimentar diversos sentimentos humanos, como medo, angústia, alegria, piedade, paciência, coragem, além, de aprender um pouco mais de uma Medicina pouco praticada em nosso planeta, a Medicina Humana. Aquele em que não se preocupa apenas em tratar doenças e sim, em cuidar de pessoas enfermas.

Os médicos, assim como a maioria das pessoas, perderam a sensibilidade à dor do outro, a empatia, a capacidade de sentir o que o outro sente. É comum ouvir a expressão: "Médicos perdem a sensibilidade com o tempo". Não tiro a razão das pessoas que dizem tal coisas, afinal, conviver diarimente com a dor, a miséria, a total falta de recursos, exige um pouco mais de frieza e racionalidade, no entanto, é muito importante não perder a humanidade. E o que é ser humano? Acho que muito mais fácil do que responder a essa pergunta é dizer o que não é ser humano. Não é humano, por exemplo, deixar de se consternar diante de um paciente com caxequia, ou de alguém em pranto sofrendo de dor. Dentre outros milhares de exemplos. O fato é que muitas vezes nos deixamos levar pela frieza e esquecemos que por detrás dessas doentes existe uma história, existe uma pessoas, com toda uma bagagem emocional que também precisa ser levada em consideração.

Nunca vou me esquecer de algumas pessoas, de quantas vezes ouvi de pacientes no hospital:
"Sou morador de rua"
. "Como assim?" Pensei eu. Essa pessoa mora na rua, não tem uma cama, não tem comida, vive do que encontra. O que será que essa pessoa pensa? Como será que se diverte? Qual é a realidade dela? Certamente é uma realidade muito diferente da minha. Ouvi relatos de pacientes que não sabia o que era um vaso sanitário, que não sabiam como usá-lo, pois desconheciam. É isso mesmo, leitor, desconheciam o que é um vaso sanitário. Uma vida muito diferente da que qualquer um que leia esse texto possa ter. Isso é o Brasil. Pacientes com físico de Etíopes, com magreza digna de um trabalho de Sebastião Salgado, e isso tudo, ao lado do Barra Shopping, de apartamentos de um milhão de reais. Para que se inscrever em programas como o "Médico sem fronteiras", deixe isso para norte-americanos, europeus, que não possuem esse tipo de miséria em seus países. Brasileiros devem se voluntariar para ajudar nas favelas, nos guetos, nas ruas, enfim, não faltam lugares, não faltam problemas. A tuberculose, problema considerado superado, está de volta no meio das favelas. A Aids, tão difundidada meios de comunicação, cresce de forma assustadora, e ainda tem gente, ao nosso lado, que morre com o curso natural da doença, por não fazer uso dos medicamentos.

Enfim, só sendo humano para tentar fazer alguma coisa, tentar ouvir o paciente, vê-lo como um ser bio-psico-social, alguém completo, com uma história, com pensamentos,medo, angústia, alegria, piedade, paciência, coragem, enfim, sentimentos humanos, que só sento gente para compreender.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

O egoismo ainda é surpreendente

Na última segunda, duas histórias me fizeram refletir em quanto o ser humano é tendencioso ao egoísmo. Recebi uma dessas apresentações via email de um professor muito querido, e nela falava-se sobre o "Slow Down", um movimento que está surgindo na Europa em que se valoriza a qualidade de vida, as horas de lazer, os momentos de prazer em detrimento da doutrina "Fast" ocidental na qual tudo deve ser feito para ontem, e nos sentimos culpados até mesmo por alguns minutos de ócio. Enfim, uma apresentação interessantíssima que só ela já vale uma postagem.

No entanto, hoje quero falar sobre um trecho, no qual, o autor conta que, ao se mudar para Suécia, costumava pegar carona todos os dias com um colega de trabalho. E, ele sempre estacionava numa vaga distante da entrada da empresa e eles sempre tinham que caminhar um percurso razoável, muito embora tivessem vagas mais próximas.

Após um tempo, e com uma maior intimidade, o novato questionou esse colega, por que afinal estacionava tão distante se haviam vagas mais próximas, teriam todos lugares reservados? Qual foi a sua surpresa quando respondeu que não haviam locais marcados, mas como chegavam cedo, tinham tempo para caminhar, e os outros colegas que chegassem mais tarde não disporiam do mesmo tempo e por isso seriam mais interessante para eles estacionarem mais perto da porta.

Confesso que ao ler essa história mes senti até um pouco contrangida, não somos habituados a essa cultura civilizada, não diria nem que eles possuem algo de especial, o problema está em nossa cultura. Fico irritada ao ouvir frases do tipo:

"Fulano tem muitas qualidades, é honesto, educado, leal, sincero."


Como assim qualidade? A frase mais correta seria:

"Fulano é gente, por isso é honesto, educado, leal, sincero."


É fato: nossos valores estão invertidos, totalmente. E, quanto ao egoismo, está ainda mais acentuado. O "eu" tomou conta das pessoas, o amor ao próximo já foi esquecido há tempos, amar ao próximo como a si mesmo então, nem se fala. O raciocínio é: levar vantagem em tudo. E, com isso, as pessoas perderam a empatia, ou seja, sentir o que o outro está sentindo.

Para minha mais profunda vergonha, foi transmitido em rede nacional uma reportagem do meu querido Estado, o Espírito Santo. Na reportagem, falava-se de como as pessoas não respeitavam os lugares reservados nos ônibus. Nisso, mostraram uma cena, ao meu ver, repugnante: uma senhora grávida de 7 meses em pé, num ônibus lotado, e, sentada ao seu lado, um jovem mulher. Quando questionada sobre o motivo pelo qual não cedeu lugar para a gestante, em cadeia nacional respondeu:

"Fiquei mais de uma hora esperando o ônibus, não vou viajar em pé."


Como assim não vai viajar em pé? Vai deixar uma grávida corrento o risco de, num movimento mais brusco, prejudicar o curso normal de sua gravidez? A resposta da grávida à entrevistada foi:

"O dia dela chegará!"


Quer dizer que é assim? A dor só é sentida quando está em mim. Só essa pequena cena já explica muita coisa.

Para finalizar, na segunda ainda ouvi uma outra história no hospital. Um médico estava atendendo a uma advogada com pneumonia tuberculosa, ainda numa fase contagiosa. Precisava ficar internada, isolada até que não transmitisse mais a doença. No entanto, após insitir e garantir ao médico que ficaria isolada em sua casa e não sairia em hipótese alguma, ele, conhecendo-a, deu-lhe alta. No final de semana seguinte, encontrou essa advogada nas Lojas Americanas, lotada, fazendo compras. Brigou com ela e a mandou imediatamente para casa.

Essa advogada era uma pessoa plenamente esclarecida sobre o risco de transmitir a doença, e mesmo assim saiu e, provavelmete contagiou alguém. Esse é o retrato da nossa sociedade. Afinal, ela realmente precisava fazer compras, e não importava que alguém pudesse perder a vida em virtude disso.

"E, por se multiplicar a iniquidade, o amor de muitos esfriará. Mas aquele que perseverar até o fim será salvo. E este evangelho do reino será pregado em todo o mundo, em testemunho a todas as gentes, e então virá o fim." Mateus 24:12-14

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Verdadeiro amor

É impressionante o quanto somos levados a pensamentos comuns e muitas vezes preconceituosos, julgamentos que não deveríamos fazer à luz do verdadeiro significado das palavras. Como o amor, por exemplo. O caro leitor deve estar se perguntando o porquê dessa minha pequena divagação. O fato é: os sentimentos de um modo geral encontram-se distorcidos, e essa distorção é transmitida o tempo inteiro, via revistas, jornais, televisão (principalmente), enfim, pelos meios de comunicação. E isso, tem mudado o ponto de vista das pessoas e tornado comum o que antes poderia parecer absurdo e vice-versa.

Há alguns dias estava em uma aula de trabalho de campo em um hospital, acompanhava um professor muito humano, fato que torna-se cada vez mais raro no meio médico, quando paramos em uma paciente que estava sendo alimentada por um homem. A senhora possui uma seqüela neurológica que a deixou com o lado esquerdo paralisado, com profunda dificuldade em deglutir, impossibilitada de falar e restrita a uma cama. O homem ao seu lado, tinha muita paciência, dava o alimento com calma, e dizia que ela era o amor da sua vida. Na mesma hora pensei que ele só poderia ser o filho dela. Afinal, era muita abdicação, só podia ser um filho. Mas, qual foi a minha surpresa quando soube que ele era o marido dela. Há 20 anos aquela mulher estava acamada, naquela situação, que aparentemente não poderia oferecer nada àquele homem, mas ele repetia o tempo inteiro:

"Ela é o amor da minha vida"


Realmente, esta mulher é o amor da vida desse homem. Amor é isso mesmo, abdicação, zelo, cuidado, atenção, é dar sem esperar nada em troca. O médico que a examinou antes de nós disse que ela não se comunicava, mas pudemos perceber claramente que eles se comunicavam sim, que ele entendia muito bem o que ela queria dizer. Isso é cumplicidade.

O que tentam neste mundo nos ensinar sobre amor é muito diferente disso. É um amor egoísta que sempre espera algo em troca, um amor traiçoeiro que se vinga no primeiro problema, um amor que não suporta nada, não suporta dividir um mesmo teto, não suportar dividir a conta, não suporta dividir os mesmos problemas, não suporta se quer um aumento de peso do companheiro. Dia desses ouvi um linda frase de uma esposa ao seu marido em um programa.

"Ou eu ou sua barriga"


Que grande amor! As pessoas hoje não tem mais paciência para cultivar um amor, "para me amar tem que me aceitar do jeito que eu sou", é a máxima. Pois para mim, quem ama tenta agradar o ser amado, mesmo que para isso tenha que mudar certos hábitos antigos.

Precisamos rever esse sentimento, onde foi que ele se perdeu nesse caminho. Naquele dia, me emocionei muito com esse casal. E, para minha surpresa, ao comentar com uma colega que eu estava profundamente emocionada, a pergunta que ela me fez foi: Com o que? Ela não conseguiu compreender a profundidade daquela cena. Isso é lamentável.

A caridade é sofredora, é benigna; a caridade não é invejosa; a caridade não trata com leviandade, não se ensoberbece, não se porta com indecência, não busca os seus interesses, não se irrita, não suspeita o mal; não folga com a injustiça, mas folga com a verdade; tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. I Coríntios 13:4-7


Caridade é o mesmo que amor. Esse é o verdadeiro amor, qualquer coisa diferente disso, pode até parecer amor. Infelizmente, o que mais temos visto sobre amor é totalmente diferente, e por isso o mundo está dessa forma, famílias destruidas, homicídios, tristezas, dores. Deus é amor, e fora d'ELE não há amor verdadeiro.

Natalia Wanick

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Medwiki, uma enciclopédia de todos

O mercado de trabalho está cada vez mais competitivo, isso tem levado muitos profissionais e estudantes a atitudes ruins, muitas vezes anti-éticas, em busca da garantia de um bom trabalho. Um exemplo dessa busca incessante por destaque no meio acadêmico é o jogo do "esconde-esconde", onde a regra é: eu tenho um material/livro/artigo que considero importante e tento impedir que meu colega (concorrente) tenha acesso a ele. Porém, esse jogo não combina com a configuração que o mercado de trabalho está adquirindo. Se pegarmos como exemplo a área médica, vemos que o número de especialidade só está aumentando e com elas, a necessidade de trabalho em equipe, e esse, não combina de forma alguma com o tal "jogo do esconde-esconde".

Certa vez ouvi um professor dizer mais ou menos assim:

"Nada melhor do que ensinar para me tornar um mestre.Quando ensino algo a uma turma de alunos, me torno o mestre deles. Passo a ser a referência profissional nessa área, e quando alguém precisa de um especialista bom no que ensino, certamente sou o primeiro na mente de meus alunos, e você sabe quantos alunos eu tenho?".


Achei tão interessante isso. E não é que é verdade! Sempre que olho para meus professores, imagino que sejam os melhores naquilo que fazem. É claro, se estão ensinando, é porque sabem muito. Parece um raciocínio simplório e infantil, mas muita gente não pensa dessa forma e fica por aí brincando de "esconde-esconde". De igual forma, quando sei que algum acadêmico é monitor, já imagino que se trata de uma aluno competente e que domine aquele conteúdo. Agora, se estiver enganada a respeito de algum monitor, ou professor, o trabalho realizado por eles é que me mostrará a verdade. Acredito que se alguém está numa grande empresa, ou cheio de cliente/pacientes, sendo bem remunerado não é porque escondeu material, conhecimento, propostas de estágio, cartazes de cursos/concursos, mas por ter se dedicado, trabalhado, esforçado.

Essa mentalidade precisa ser mudada, é preciso divulgar conhecimento, ensinar o que se sabe, e é com essa intenção que o Medwiki foi criado. Formado nos moldes da Wikipédia, ou seja, uma enciclopédia livre, construida por voluntários, podendo ser copiada e modificada desde que seus direitos de cópia e modificação fiquem preservados, o Medwiki veio para tornar ainda mais fácil a divulgação de material entre os acadêmicos de Medicina. Ao contrário do que alguns possam pensar, não é um local para escrever opiniões médicas e sim, para divulgação de conhecimento. Desenvolvido por estudantes, professores, médicos, nutricionistas, odontólogos, enfim, profissionais da área médica que desejam tornar-se mestres para seus leitoras. É com essa mentalidade de construir conhecimento em comunidade para superarmos essa fase de "esconde-esconde" e formarmos uma mais cooperativa e constritiva que surge o projeto Medwiki.

Natalia Wanick

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Existe algo mais doce que uma criança?

Existe algo mais doce que uma criança?

Na última quarta, recebi uma das minhas melhores notícias acadêmicas, cheguei à Emergência Pediátrica e, enfim, meu estágio poderia ser iniciado. E, melhor ainda, naquela mesma hora. Coloquei meu jaleco, peguei meu estetoscópio e iniciei meu trabalho. Foi uma das experiência mais incríveis que vivi na Medicina, quase tão incrível como na minha primeira anamnese, experiência que conto a seguir.

Conversei com várias crianças e mães, e não há nada mais gratificante do que ver o sorriso estampado no rostinho daqueles seres tão especiais. Um garotinho com suspeita de Síndrome Cerebelar divirtiu-se muito ao me ver desenhar bolinhas em meu pequeno bloquinho de anotações. Alías, falando em bloquinhos, podem ir se acostumando a me ver escrever no diminutivo, é uma mania de Pediatra (e futuros pediatras) que possivelmente carregarei, sem vergonha, por toda a vida. Voltando ao menino das bolinhas, pude notar o quanto pequenas coisas alegram uma criança. Aliás, esse é meu maior objetivo na Medicina, levar uma palavra de esperança, de alegria. Pois existe um momento em que os recursos médicos terminam, mas a alegria, a esperança, a fé não tem limites, e é isso que também quero repassar aos meus pequenos pacientes.

Esse assunto me lembra de um menininho da emergência, ele não me deixava de modo nenhum examinar o seu abdome, conversei, pedi, supliquei e nada. Mas tudo bem, convencer um menino de que uma desconhecida deve mexer em sua barriguinha não é nada fácil. E sua mãe, vendo uma gravura na sala, me contou que ele ama pipas, e foi aí que desenhei uma pipa para ele. Fiquei até com vergonha, sou uma péssima desenhista. Mostrei a ele, ele sorriu timidamente, continuamos o atendimento.

A mãe e o pequeno foram tirar uma radiografia de tórax, soubemos pela mãe que esse menino tem uma doença chamada Fibrose Cística. É uma enfermidade muito grave e o portador possui uma baixa expectativa de vida. Fiquei olhando aquele menino, tão pequeno e com uma doença tão difícil. Mais tarde, quando ele ia embora, vi que segurava com as duas mãos o desenho que fiz para ele. Carregava como se fosse algo importante, pois é, talvez até tenha sido. Isso me emocionou na hora, pude ver o quanto pequenas ações, para uma criança, são tão significaticas. Ficou como uma lição, fazer uma criança feliz é algo tão simples, e é isso que quero em minha profissão, cuidar do corpo e do "coração" desses pequeninos, tão especiais para mim e tão especiais para DEUS.

"Jesus, porém disse: Deixai os meninos, e não os estorveis de vir a mim; porque dos tais é o Reino dos Céus." Mateus 19:14


Natalia Wanick

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Medwiki

Olá gente,

Essa é a minha primeira postagem e gostaria de falar um pouquinho sobre o Medwiki, cujo link se encontra no blog. Trata-se de um projeto de documentação livre para estudantes e profissionais da área de saúde, incluindo acadêmicos de Medicina, grupo em que me encontro.

Quando o David sugeriu a criação desse Wiki médico, logo abracei a idéia e hoje o utilizo para estudar e tentar passar o meu modo de entender o conteúdo.

Hoje, uma amiga e colega de faculdade, numa aula de Pediatria (por sinal, a melhor e mais linda especialidade da Medicina) disse algo muito interessante:

Os nossos professores nos querem decorando conteúdo e isso eu não concordo.


Eu também não. Quando escrevemos e interpretamos aquilo que estudamos, conseguimos apreender e memorizar o conteúdo. E, nesse ponto, o Medwiki nos proporciona uma experiência muito bacana, pois ao mesmo tempo que podemos transmitir conhecimento, cimentamos aquilo que aprendemos na sala de aula, com os pacientes (que tem muito a nos ensinar) e com os livros (nossos inseparáveis colegas).

Bom, por hoje é só isso... Entre no Medwiki, o wiki médico, e divirta-se.

Natalia Wanick